segunda-feira, 27 de junho de 2011

A Torta.

Afrânio roubara uma torta para sobreviver. Coisa pequena, uma torta. Sua vigília já durava duas noites; funcionava a água da chuva e restos do lixo; estava sem mulher, sem casa, sem dinheiro. Pelo menos agora, Afrânio não estava sem torta. Provou do sabor com a ponta suja do dedo. Franziu o cenho. Não gostava de torta de banana. Comeu um pedaço. Saboreou o quanto pode, mas a sofreguidão exigia rapidez. A torta foi diminuindo rápido. Ouviu passos. Era o padeiro, à caça de retaliação. Afrânio já namorava aquela sobremesa havia dois dias, desde que a viu pela vitrine. Quando uma senhora a comprou, Afrânio rapidamente surrupiou-lhe a guloseima, mas com cuidado para não deixar cair. Coisa pequena, uma torta. Correu, dobrou a esquina, pulou num beco, caiu no entulho, prendeu a respiração. E lá estava agora. Comeu outro pedaço. Engolia rápido, para não sentir o gosto. Os passos acharam-no. "Vagabundo sem-vergonha!" A pancada do padeiro - homem grande, de bigode farto - veio certeira em suas costas. Esmurrou-lhe o nariz, chutou-lhe o estômago. Mas a torta, já meio mastigada, ele não lhe tomou. Afrânio permaneceu alguns minutos imóvel, recuperando seu corpo. Ratos tentavam roubar-lhe a comida. Expulsou-os. Comeu mais um pedaço. Mastigou devagar, a boca dolorida. Coisa pequena, uma torta.

sábado, 25 de junho de 2011

Os Doces de Melinha.

Melinha gostava do novo carteiro, Seu Vasconcelos, mas não o conhecia. Quando a campainha tocava, ela largava suas bonecas no tapete da sala e corría para o quarto. Sua mãe odiava. "Amélia, olha a correria dentro de casa!" Melinha queria observar Seu Vasconcelos pela janela. Gostava de vê-lo ir embora na bicicleta azul-marinho (que nem a sua, só que maior.) Seu Vasconcelos tinha ombros largos e olheiras nos olhos. Nunca se falaram, ele e Melinha, mas ela gostava do mistério e o confundia com amor.
     Numa tarde de domingo, a mãe de Melinha estava cozinhando doces. Melinha pegou dois. Um para si; o outro, de presente para Seu Vasconcelos. No jardim, debaixo da árvore, ela esperou com suas bonecas.
     Mas, quando chegou, Seu Vasconcelos, que estava atrasado, não passou na casa dela. Ficou pela vizinha desquitada, Dona Zuleica, que o recebeu com um cigarro e uma mão naqueles ombros largos. Permaneceu a tarde inteira lá, até Melinha vê-lo ir embora na bicicleta azul-marinho. O carteiro não percebeu Melinha, escondida que estava na sombra da árvore. Chorava baixinho. Ela gostava do mistério e o confundia com amor. Às mordidelas, consolova-se com os doces.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Vernissage.

Graças ao sucesso de sua última exposição, o artista Gudán convida a todos e todas para sua nova mostra, "Neo Universum", na Galeria Galáxias. Há muito tempo, a arte de Gudán se tornou sinônimo de vida e mistério. Com o novo trabalho, este artista multifacetado explora novas formas e novos conceitos; às vezes numa tentativa de acessar o ininteligível, às vezes apenas brincando com seu material e público, a arte de Gudán continua diversa e cativante.
     Quando: Primeiro dia após o último domingo.
     Onde: Galeria Galáxias, nº 1, Avenida Quasar.
     Estudantes fardados pagam meia.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O Retorno do Homem-Asa.

DEPOIS DE ANOS DESAPARECIDO, HERÓI É VISTO POR MENINO. Depois de dois anos desaparecido, o Homem-Asa foi avistado ontem à noite por Francisco Lima, 10. Francisco é o primeiro a avistar o vigilante desde seu desaparecimento. "Eu estava no quarto, quando vi ele pela janela no prédio do lado. Aí eu me escondi e fiquei olhando de fininho. Ele só ficou um tempo sentado lá, sem fazer nada. Só consegui tirar uma foto, depois ele foi embora." Há dois anos, o Sr. Dinamite informou a imprensa que a esposa do Homem-Asa, Aniela Boleslava perdera, tragicamente, sua luta contra o câncer. "Nossa comunidade está em luto. Aniela era nossa amiga e sentiremos sua falta. O Homem-Asa pediu-me para informa-lhes que ele não estará disponível para perguntas. Disse também que a partir de hoje, ele se ausentará de suas atividades indefinidamente. Contudo, a Dupla Hélice e eu iremos nos encarregar para que nada aconteça aos cidadãos em sua ausência."
     Indagados sobre o retorno, os heróis responderam. "Foi uma grande perda, e eu espero que ele tenha encontrado a paz dentro de si", disse Amálgama, da Dupla Hélice. A outra metade da dupla, Belonave, respondeu: "Eu ainda sinto a falta da Ani. Visitei os dois no hospital, e quando ela piorou, eu falei para ele não se preocupar, que nós iríamos cuidar de tudo. É muito apropriado que tenha sido uma criança para quem ele primeiro se mostrou. Vai ser bom colocar a conversa em dia." O Sr. Dinamite ofereceu esta resposta: "Ele sempre foi um herói. É muito bom tê-lo novamente entre nós". O Espelho não foi encontrado para comentários.