A Torta.
Afrânio roubara uma torta para sobreviver. Coisa pequena, uma torta. Sua vigília já durava duas noites; funcionava a água da chuva e restos do lixo; estava sem mulher, sem casa, sem dinheiro. Pelo menos agora, Afrânio não estava sem torta. Provou do sabor com a ponta suja do dedo. Franziu o cenho. Não gostava de torta de banana. Comeu um pedaço. Saboreou o quanto pode, mas a sofreguidão exigia rapidez. A torta foi diminuindo rápido. Ouviu passos. Era o padeiro, à caça de retaliação. Afrânio já namorava aquela sobremesa havia dois dias, desde que a viu pela vitrine. Quando uma senhora a comprou, Afrânio rapidamente surrupiou-lhe a guloseima, mas com cuidado para não deixar cair. Coisa pequena, uma torta. Correu, dobrou a esquina, pulou num beco, caiu no entulho, prendeu a respiração. E lá estava agora. Comeu outro pedaço. Engolia rápido, para não sentir o gosto. Os passos acharam-no. "Vagabundo sem-vergonha!" A pancada do padeiro - homem grande, de bigode farto - veio certeira em suas costas. Esmurrou-lhe o nariz, chutou-lhe o estômago. Mas a torta, já meio mastigada, ele não lhe tomou. Afrânio permaneceu alguns minutos imóvel, recuperando seu corpo. Ratos tentavam roubar-lhe a comida. Expulsou-os. Comeu mais um pedaço. Mastigou devagar, a boca dolorida. Coisa pequena, uma torta.
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