segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O Remédio

Observando a janela do banheiro, a filha brinca que as gotas de chuva estão numa corrida pela vida para chegar ao parapeito. Algumas chegam inteiras, mas a maioria é engolida pelas gotas maiores. As menores fogem, as grandes caçam.

Atrás do sanitário, ela encontra o guarda-chuva.

"O pai esqueceu o guarda-chuva", a filha diz do banheiro.
"O pai sabe se cuidar. Termine de colocar o catarro pra fora." a mãe responde da sala, sem tirar os olhos do computador.
"Você diz para mim nunca se esquecer de levar o guarda-chuva", diz a filha.
"Para eu nunca esquecer."
"Para eu nunca esquecer", a filha repete, com raiva por ter errado. "Ele vai se molhar e ficar doente também."
"Um pouquinho de chuva não faz mal."
"Mas eu fiquei doente só com um tiquinho de nada de chuva!"

"Você ficou doente porque alguma criança da escola passou para você, filha. Deixa eu terminar isso aqui, vai."

A chuva engrossa. A janela deixa de ser uma corrida e vira uma cachoeira. A filha caminha até o sofá, fungando, enrola-se num lençol e deita-se. Continua frio.

"Quando chover de novo e você estiver boa, a gente sai para tomar banho de chuva, que tal?"
"O pai saiu faz tempo", disse a filha.
"Ele volta já, amor", responde a mãe. Da cozinha, a chaleira ferve. A mãe se levanta para dar uma checada.

Enquanto isso, o pai espera sua vez de comprar um anti-histamínico na fila da farmácia.

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