sábado, 31 de dezembro de 2016

O Tribunal das Fadas

O Lobo Mau se levantou da cadeira e declarou:

"Culpado."

Ainda assim, o tribunal condenou o Porquinho a voltar para fazenda de onde saíra: haviam desapropriado suas terras depois do incidente com Chapeuzinho e ele foi atrás de paragens mais verdes.

No veredito, o motivo da condenação: "o mundo das fadas é uma ditadura da imaginação, onde o pensamento pragmático deve ser condenado e punido onde quer que apareça, de quem quer que venha."

Fugindo da Chuva

Tento fugir da chuva. Algumas gotas me alcançam. Chego em casa. Tranco a porta, mas a chuva invade a casa pelas frestas, se imiscuindo na solidão.

Mudança

No Centro, os carros decolam o dia todo e rosnam em uníssono quando são detidos pelo sinal. As bocas de esgoto estão sempre semicerradas. O Centro é conhecido por seu cheiro distinto. Ninguém vai lá a não ser que  seja necessário.

No final, Virgínia não se lembrava mais porque haviam se mudado, mas tinha certeza de que a culpa era de Alfredo por ter sugerido. Foi de Virgínia a idéia de se mudar para o Centro da cidade, mas Alfredo fez de tudo para parecer que havia sido dele.

"Porque morar lá, então?", perguntou Alfredo.
"O aluguel é metade do daqui, Fredo." Virgínia era diligente com dinheiro. Mão-de-vaca não: diligente.

Godofredo, ex-advogado

Esta história de Godofredo ouvi no trabalho, de um colega que contava para outro no intervalo das tarefas. A versão original não era bem esta, mas lhe garanto que esta é melhor.

Diz-se que das sombras não deve-se falar. Esse foi o erro de Godofredo, advogado aposentado, agora fazendeiro no interior.

Há algumas noites, Godofredo ouvia estranhos uivos sempre à mesma hora da noite.

"Devem ser lobos", pensou o ex-advogado.

Mas o que ele não sabia é que, naquela época do ano, lobos caçam apenas patos e não havia um lago ou pingo d'água que fosse na propriedade de Godofredo. Tivesse ele deixado os uivos em paz, talvez as sombras tivessem ido embora com o tempo, talvez não o tivessem notado.

Perto de terminar a história, meu colega teve de voltar à sua burocracia. O tempo fora roubado de mim, assim como de Godofredo, ex-advogado, ex-fazendeiro, agora cadáver.

Os Monstros

Depois da queda do Forte de Arakel, os monstros finalmente invadiram Kuram-Tzu. Eles usavam o sangue de seus inimigos como pitura de guerra. Uma última batalha se desenhou na cidade. Os guerreiros de Kuram-Tzu, depois de muita luta, conseguiram expulsar os invasores.

O custo da vitória, contudo, foi alto: Kuram-Tzu e seu povo foram massacrados na luta. Ao final, os guerreiros estavam encharcados no sangue de seus inimigos.

Meses depois, os guerreiros de Kuram-Tzu invadiriam vilas vizinhas, anexando territórios, pilhando casas, matando crianças, recrutando os hábeis e descartando os fracos.

Um dia, os monstros invadiram a cidade de Amer-Bo. Os monstros utilizavam sangue como pintura de guerra. Há meses que eles pilhavam e saqueavam as vilas vizinhas.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Os Dragões

Há um ano, começou a chover na pequena cidade de Jur. Como há muito não chovia. Uma manhã ensolarada. À tarde, calmaria. Finalmente, à noite, um temporal. Algumas das frágeis casas não aguentaram.

Junto com o temporal vieram os dragões. Eram dois.

Virou notícia. Cientistas sugeriram uma relação entre o clima e as criaturas. Sempre à noite, sempre em dia de chuva.

Depois de um certo tempo, algumas pessoas começaram a olhar para o alto, observando o voo dos monstros. Elas abriam suas bocas e bebiam da água da chuva. Diversas vezes isso se repetiu. Até que essas pessoas ficaram misteriosamente doentes, com manchas pelo corpo todo. Todas ficaram acamadas, mudas. Ninguém conseguia curá-las. Sentiam-se melhor apenas à noite durante a chuva.

Numa das noites, todas vomitaram grandes ovos negros pela boca. Levantaram-se e caminharam até a praça de Jur, onde depositaram os ovos. Ficaram lá até os dragões descerem de sua dança celestial e gentilmente engolirem os ovos. Depois, eles levantaram voo e, enquanto faziam-no, cantavam numa língua estranha. Quem ouviu, ficou repetindo, até alguém desvendar o código

A mensagem era pequena e simples:

Olá, meus filhos. Há quanto tempo.